sábado, 19 de janeiro de 2013

Vinho na cozinha (ou cozinhando com vinho)

O que dizem os especialistas?

Segundo Gerson Lopes

Verdades e Mentiras

Grandes tratados sobre culinária escritos desde tempos remotos registram em suas receitas a presença da bebida de Baco. Em muitas, o vinho entra como um ingrediente importante, a ponto de em alguns pratos clássicos, disputarem o protagonismo com outros elementos, como no coq au vin, bouef bourguignone, peras ao vinho, dentre outros. Em algumas regiões, como no Piemonte (Itália), o respeito ao seu vinho maior é tão grande que pratos são criados para ele, como brasato al barolo e risotto al barolo. Isso acontece em outros locais, com outros grandes vinhos.

Na elaboração de um prato, os vinhos ,quando utilizados, acrescentam cor, sabor e textura, oferecendo um ingrediente a mais. Porém, para que isso aconteça, o vinho deve ser de qualidade, e neste caso é capaz de introduzir aromas e sabores muito especiais aos pratos. No caso dos tintos, acrescentam ainda belas cores às preparações.

Em interessante livro da sommelier Deise Novakoski e do chef executivo Renato Freire- “Enogastronomia: a arte de harmonizar cardápios e vinhos” (Ed. Senac, 2005), os autores relatam o quanto o vinho é versátil como ingrediente e descrevem as quatro situações mais comuns em que pode ser utilizado para este fim: marinar (peixes, carnes e aves), deglaçar (técnica francesa que consiste em desprender o fundo de cozimento e dissolvê-lo para formar a base de um molho), servir como meio de cozimento a pochê (palavra de origem francesa -"pocher"- que significa cozinhar um alimento por imersão num líquido, seja água, leite, calda, fond, vinho, etc ; mergulhá-lo e cozinhá-lo lentamente com o líquido apenas começando a borbulhar)e  aromatizar frutas e molhos de sobremesa.

Devemos estar atentos  ao tempo de marinadas de peixes e aves, em que a ação do vinho se faz mais depressa, comparativamente aquele gasto maior, caso fossem de carnes vermelhas ou de caça. A dica de alguns chefs para molhos à base de vinhos, em geral, é que se use uma parte de vinho para duas ou três partes de líquido ou creme. Obtêm-se assim melhor equilíbrio dos sabores. Cuidado para não queimar o vinho (sabor acre no prato). Para evitar isso, pode-se regar, colocando um pouquinho de água na assadeira para reduzir a temperatura.  A maioria preconiza o uso de panelas de inox ou esmaltadas, já que as de ferro, alumínio ou cobre podem dar à preparação gosto metálico pela combinação do vinho com um destes elementos.

Devemos estar atentos também às grandes mentiras (quase mitos) que permeiam a relação do vinho na comida (ou na panela). Vejamos as três principais:

Mentira: Vinhos ruins para beber são bons para a cozinha.

Verdade: Como na harmonização de vinho e comida, aqui também não há regras rígidas. Porém, ao escolher o vinho para o preparo do alimento, se ele não é de boa qualidade, não o use para cozinhar. O fato de colocá-lo ao fogo, não necessariamente melhora suas características básicas, por isso, ele deve ser de qualidade. O vinho não é boa companhia na panela quando você utiliza aquela sobra na garrafa guardada há algum tempo. Não há benefício nenhum neste caso. O vinho deve ser limpo e fresco, não sendo recomendável empregá-lo estando aberto há muitos dias, independente de estar arrolhado e guardado em geladeira. O ideal é que se deguste o mesmo vinho utilizado na preparação do prato, porém, nos casos de serem especiais isso fica quase utópico. Porém, a comida agradeceria e muito, se em sua elaboração fosse usado um copo da garrafa que será usada à mesa.

Mentira: O vinho como ingrediente, desde que seja bom, serve.

Verdade: É lógico que o vinho não deve ter passado do ponto nem estar oxidado(o uso de vinhos fortificados é um caso à parte), entretanto, algo mais deve ser respeitado. O bom senso mostra que pratos mais simples pedem vinhos modestos, enquanto os mais complexos sugerem exemplares também mais complexos. De um modo geral, podemos dizer que frutos do mar pedem vinhos brancos secos e leves, ao passo que carnes de caça pedem tintos pesados. Carnes brancas pedem tintos ou brancos dependendo da receita. Pratos de coelho pedem tintos médios, assim como os de cordeiro. Com relação aos risotos, devemos utilizar espumante ou branco seco e leve, que servem também  para os pratos de frutos do mar, peixes e carnes brancas; para risotos de carnes vermelhas e funghi porcini  e aves com sabor de caça, como galinha d’angola, preferimos os tintos.

Mentira: Os vinhos madeirados ou acarvalhados podem ser utilizados sem nenhum problema.

Verdade: Tintos (e brancos) com muito corpo e madeira, em geral, têm pouca acidez e não funcionam bem na cozinha. Seus sabores amanteigados e de barrica se voltam amargos e distorcem a receita. Opte, sempre que possível, no caso de tintos, por aqueles com taninos moderados como: merlot, pinot noir, sangiovese ou um cabernet leve, a não ser que a receita pela sua especificidade peça um Barolo ( exemplo, os pratos citados anteriormente). Em linhas gerais, ao incorporar um vinho como ingrediente, o que se faz é agregar acidez à preparação para promover o aparecimento de novos sabores. Quando brancos, use os secos com alta acidez e vigorosos como sauvignon blanc, pinot gris, pinot blanc ou espumantes (brut). Porém, devemos ter cuidado com a quantidade de vinho a ser utilizada, pois a acidez natural do vinho se acentuará no prato. Carnes mais delicadas são afetadas mais facilmente pela acidez e  álcool do vinho.

Devido ao conteúdo alcoólico do vinho, é necessário incorporá-lo no princípio do cozimento, para que aquele se evapore. Se o álcool não se evapora, o vinho não se integra à preparação. O tempo de evaporação do álcool varia conforme o volume. Rosário Valdés, em uma coluna muito interessante e esclarecedora sobre “Cocinando com Vinos”, na prestigiosa revista chilena Paula Cocina, faz um alerta a abstêmios a este respeito. “Há que estar consciente que um longo cozimento do vinho não elimina totalmente o álcool. Não se embriagará, porém, algo que de álcool ingerirá”, diz Valdés.

Diria que, de um modo geral, vinhos (brancos, rosés, espumantes ou tintos) jovens e frutados (nada em excesso) costumam ser  melhores que aqueles amadeirados e maduros.

Aprender a cozinhar com vinhos é uma arte, tanto quanto harmonizá-los à mesa. A escolha do vinho deve ser feita com o mesmo cuidado e rigor dos demais ingredientes. Aqui vale o ditado popular que diz: “não se aprende a nadar, sem se cair na água”. Portanto, vamos praticar!!!

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