O que dizem os especialistas?
Se você acha que feijoada não combina com vinho, pode rever suas convicções. Veja quais os melhores tintos para acompanhar o prato.
O tema “harmonização” – a escolha do vinho adequado para cada prato –
está muito em voga no Brasil. Busca-se aqui descobrir qual vinho seria
ideal para os pratos típicos, já que não temos tradição em vinho e estas
receitas historicamente não eram consumidas com vinho. O caso mais
estudado é a feijoada, cartão portal da culinária verde e amarela. A
feijoada tem suas origens na relação entre o senhor de engenho, muitas
vezes um colonizador português, e os escravos africanos. Enquanto as
melhores partes do porco iam para a casa grande, a senzala comia as o
que era desprezado (pé, orelha etc). Somou-se a isso o feijão preto de
origem americana, e as influencias de pratos portugueses da Estremadura,
das Beiras e de Trás-os-Montes e Alto Douro, que misturam feijão (não o
preto) à lingüiças, orelha e pé de porco, além de outros pratos
europeus como o cassoulet (França), o cozido madrileño (Espanha) e a
“casserola” milanesa (Itália). Hoje a feijoada é um cozido de feijão
preto e carnes (carne seca, lombo, costela, pé, orelha, rabo, paio,
lingüiça e língua de boi), temperado com pimenta vermelha, cebola, alho,
azeite, louro e geralmente servida com arroz branco, fatias de laranja,
couve, farofa e molho de pimenta.
Harmonização é uma ciência eminentemente prática. Reuni portanto um
grupo de abnegados amantes do vinho que emprestaram seus palatos a esta
experiência em um restaurante de nome bastante sugestivo. A “Casa da
Feijoada” (Rua Prudente de Moraes 10, Ipanema, Rio de Janeiro), que
oferece um único prato e faz fila à porta com pessoas (muitos turistas)
que buscam provar a verdadeira feijoada.
À nossa “mesa-laboratório” sentaram-se: Embaixador António Almeida
Lima – Consul Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Solange Amado –
empresária, Lauro Carvalho – enófilo, Marcelo Velloso – empresário, e
Leonardo Braga – proprietário da Casa da Feijoada.
A ESCOLHA DOS VINHOS
Escolher um vinho para acompanhar a feijoada não é tarefa banal. O
prato oferece alto nível de sabor, aroma, sal e gordura, um toque de
amargor do feijão preto e a picância da pimenta, em maior ou menos grau,
pois esta é acrescentada a gosto na hora de comer. Escolhi uma ampla
gama de vinhos portugueses:
Um espumante branco brut muito vivaz – Vértice Super Reserva 2000, Douro.
Um espumante tinto bastante usado para acompanhar o leitão da Bairrada – Raposeira Tinto 2003, Douro.
Um refrescante branco – Alvarinho Muros Antigos 2006, Anselmo Mendes, Minho.
Um tinto alentejano, moderno, macio e com madeira nova – Casa de Sabicos Reserva 2004.
Um tinto da Bairrada, mais tradicional, fermentado em lagares e com estágio em madeira usada – Casa de Saima Bairrada Garrafeira 2001.
Um espumante tinto bastante usado para acompanhar o leitão da Bairrada – Raposeira Tinto 2003, Douro.
Um refrescante branco – Alvarinho Muros Antigos 2006, Anselmo Mendes, Minho.
Um tinto alentejano, moderno, macio e com madeira nova – Casa de Sabicos Reserva 2004.
Um tinto da Bairrada, mais tradicional, fermentado em lagares e com estágio em madeira usada – Casa de Saima Bairrada Garrafeira 2001.
A PRÁTICA
Como sempre faço em eventos de harmonização sugiro que todos os
vinhos sejam provados antes da chegada do pratos, para mostrar como
realmente o perfil do líquido muda diante da comida. Puro todos os
vinhos agradaram bastante, a exceção do Raposeira, pois a união da
acidez borbulhante do espumante com taninos causou estranheza.
A feijoada, como manda o figurino veio fumegante. Todos então comeram
provando todos os vinhos e deram duas opiniões, em um agradável debate
sobre a “performance” de cada caldo. O Alvarinho foi unanimemente
descartado, apesar de excelente, pois sumiu diante da maior estrutura do
prato. O Vértice foi muito elogiado e foi um bom companheiro para a
feijoada, embora sem sinergia com o prato. O Casa de Sabicos, outro
vinho muito bom, teve seu perfil madeirado e de “doçura” nos taninos e
álcool exacerbado pelo prato, o que a poucos agradou, sendo elogiado
apenas por Solange, uma amante dos tintos aveludados. O Bairrada
encantou por sua elegância e complexidade, mas esperava-se mais taninos
desde filho da Baga. Faltou-lhe impacto no paladar para enfrentar a
força da carne gordurosa e, com o feijão sobrou um pouco de amargor no
fim de boca. O campeão, quem diria, foi o Raposeira tinto, que puro
desagradou, mas que cresceu com o prato, e mais ainda com a pimenta.
Como lembrou o Sr. Embaixador António Almeida Lima, “todo casamento
precisa de modéstia” e o vinho que antes mostrou-se o mais humilde era
ao final o mais prendado, como uma “gata borralheira”.
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