domingo, 14 de julho de 2013

Vinho: suas Idas e Vindas...

By João Luís T. Prada e Silva

O universo da vitivinicultura — e o da consequente enogastronomia — está mais sofisticado e complexo do que nunca. Neste processo de glamurização, o vinho andou a perder a sua característica essencial de bebida do dia-a-dia e tornou-se uma bebiba celebrativa e eventual.  Nas Idade Antiga e Média, o vinho chegou a ser considerado a principal diversão da Humanidade, título este de modo algum exagerado, uma vez que seus efeitos inebriantes permitiam aos consumidores daquelas eras escapar, por momentâneo que fosse, das insipidezes de um quotidiano plano, baseado principalmente em trabalho braçal e com escassas opções de entretenimento.

O vinho foi — e ainda é, em boa parte — a bebida padrão das populações e civilizações do ramo europeu da Bacia do Mediterrâneo.  Nesta parte do mundo, é onde ele se faz mais presente, em festas e celebrações, em refeições caseiras, mesmo quando não é diário. Assim, ele ainda mantém outro epíteto bastante descritivo: o de “alegria dos homens”.


No que se refere às épocas mais recentes, o que fez com que o vinho perdesse parte do seu amplo caráter quotidiano foi o advento das bebidas doces gasosas — os famigerados refrigerantes — e, também, o deslocamento, no Séc. XX, do eixo financeiro do mundo da Europa para os Estados Unidos, cuja população branca, descendente em sua maior parte de anglo-saxões, preferem marcantemente a cerveja ao vinho.

O sabor doce e imediatamente acessível dos refrigerantes eclipsou o prazer e a complexidade inerentes ao ato de apreciar uma taça do imemorial fermentado da uva.  Foi a lei do menor esforço aplicada ao mundo das bebidas. O vinho é ácido; os refrigerantes doces.  O vinho, se consumido em doses mais generosas, traz a reboque os seus conhecidos efeitos de ebriedade, e o mundo “politicamente moral” tenta coibir mais fortemente do que nunca os efeitos do álcool, mesmo quando não são claramente danosos.  Há lugares em que consumir uma mísera lata de cerveja e dirigir em seguida é crime quase hediondo...

Bem, os refrigerantes acabaram também por entrar na berlinda, haja vista os seus verificáveis efeitos engordativos.   Além disso, tornaram-se amplamente veiculadas as saudáveis propriedades dos flavonoides da casca das uvas tintas: o vinho tinto virou um tipo de remédio natural, capaz de aumentar os níveis do colesterol bom — o HDL.  O resultado é que o vinho voltou redimido, em geral pelas parcelas ditas mais esclarecidas da população.  Portanto, o vinho era popular, ficou em plano secundário por algum tempo, e, atualmente, ostenta o status de bebida gourmet.

O mercado da produção vinífera nunca foi tão amplo, tão variado como atualmente.  Esse aquecido e crescente mercado acompanha, naturalmente, a nova expansão do consumo do vinho.  Regiões como África do Sul, Austrália, Califórnia e outras ainda mais surpreendentes entraram há relativamente poucas décadas no mapa enológico, dividindo ou mesmo tomando espaço às clássicas regiões de França, Itália, Portugal e Espanha. Não me perguntem se isso é bom ou ruim, porque há argumentos convincentes em todas as direções.

“Harmonização” virou jargão corrente no vocabulário dos apreciadores da bebida. Os cursos de Enologia espalharam-se por aí, as visitas guiadas às vinícolas e caves tornaram-se corriqueiras.  Hoje, fala-se de castas, de DOCs, de terroirs, de cortes, de taninos, com uma complexidade que nem os velhos Romanos da República atingiriam. Porém, o mais importante de tudo é que uma grande bebida voltou a ser valorizada, consumida e, principalmente, devidamente apreciada.

Ainda se defende que o vinho é a melhor bebida para acompanhar uma refeição. Evidentemente, escolher uma bebida para acompanhar uma refeição passa direto pelo gosto pessoal, o qual deve ser respeitado, mas também pode ser comprovado que, fora as vezes em que a cerveja pede a primazia, escolher uma boa garrafa de vinho ainda é a melhor opção.

Vinum animas hominorum lætificat.



Nenhum comentário:

Postar um comentário