"Vinum bonum lætificat cor hominis"
O vinho bom alegra o coração do homem
Salmo 104:15
Um pouco de História
Desde a antigüidade, o vinho apresenta-se intimamente ligado à
evolução da medicina, desempenhando sempre um papel principal. Os
primeiros praticantes da arte da cura, na maioria das vezes curandeiros
ou religiosos, já empregavam o vinho como remédio. Papiros do Egito
antigo e tábuas dos antigos Sumérios (cerca de 2200 a.C.) já traziam
receitas baseadas em vinho, o que o torna a mais antiga prescrição
médica documentada.
O grego Hipócrates (cerca de 450 a.C.), tido como o pai da medicina
sistematizada, recomendava o vinho como desinfetante, medicamento, um
veículo para outras drogas e parte de uma dieta saudável. Para ele, cada
tipo de vinho teria uma diferente função medicinal.
Galeno (século II d.C.), o mais famoso médico da Roma antiga,
empregava o vinho na cura das feridas dos gladiadores, agindo este como
um desinfetante.
Também os Judeus antigos tinham o vinho como medicamento. Segundo o
Talmud, "sempre que o vinho faltar, a medicina tornar-se-á necessária".
Foi na Universidade de Salermo (Itália), fundada no século XI, que a
importância do vinho sobre a dieta e asaúde foi codificada. Lá,
correntes clássicas e árabes se fundiram, fornecendo as bases da
medicina européia. O "Regime de Salermo" especificava "diferentes tipos
de vinho para diversas constituições e humores".
Avicena (século XI DC), talvez o mais famoso médico do mundo árabe
antigo, reconhecia a importância do vinho como forma de cura, embora seu
emprego fosse limitado por questões religiosas.
O uso medicinal do vinho continuou por toda a Idade Média, sendo
divulgado principalmente por monastérios, hospitais e universidades.
Até o século XVIII, muitos consideravam mais seguro beber vinho do
que água pois esta era, freqüentemente, contaminada. Conta a lenda de
Heidelberg, na Alemanha, que o guardião do grande barril (Große Faß)
onde o soberano guardava todo o vinho recolhido como imposto, só bebia
vinho. Seu nome era "Perkeo" (do italiano “Perche no” - por que não).
Certa feita deram um líquido diferente para que ele bebesse e este
morreu imediatamente. O tal líquido assassino era nada mais nada menos
que água.
Em 1865-66, Louis Pasteur, o grande cientista francês nascido na região do Jura (terra dos famosos vin jaunee vin de paille), empregou o vinho em diversas de suas experiências, declarando que o vinho é "a mais higiênica e saudável das bebidas".
Em 1892, durante a grande epidemia de cólera em Hamburgo, o vinho era adicionado à água com intuito de esterilizá-la.
A partir do final do século XIX, a visão do vinho como medicamento
começou a mudar. O alcoolismo foi definido como doença e os malefícios
de seu consumo indiscriminado começaram a ser estudados. Nas décadas de
70 e 80, o consumo de álcool foi fortemente atacado por campanhas
de saúde pública exaltando as complicações de seu uso em excesso.
Entretanto, várias pesquisas científicas bem conduzidas têm demonstrado
que, consumido com moderação, o vinho traz vários benefícios à saúde.
O consumo moderado
"Nem muito e nem muito pouco" parece ser o princípio para se realçar
os efeitos benéficos do vinho sobre asaúde. Entretanto, as autoridades
de saúde de vários países têm encontrado dificuldade em estipular o que
pode ser considerado "consumo sensato". Na França, a ingestão de até 60 g
de álcool por dia é segura para homens. Por outro lado, no Reino Unido,
recomenda-se menos de 30 g por dia.
Vários são os fatores que influenciam estes limites: sexo, idade,
constituição física, patrimônio genético, condições de saúde e uso de
outras substâncias (drogas, medicamentos etc). Em linhas gerais, um
homem pode consumir até 30 g de álcool por dia. Para as mulheres, por
diversas razões (menor tolerância, menor proporção de água no organismo
etc) recomenda-se até 15 g por dia. A diferença entre consumo moderado e
exagerado pode significar a diferença entre prevenir e aumentar
a mortalidade.
Além da quantidade, a regularidade também é importante para se obter
os efeitos benéficos do vinho. Os que exageram nos finais de semana e se
poupam nos outros dias podem sofrer todos os malefícios da ingestão
exagerada e aguda do vinho sem nenhum ganho para a saúde.
O Paradoxo Francês
Uma grande reviravolta na relação entre vinho e saúde ocorreu no início da década de 90 com a divulgação do Paradoxo Francês.
Durante um programa de televisão nos EUA, o cientista francês Serge
Renaud mostrou que estudos epidemiológicos em escala mundial
evidenciaram que os franceses apresentavam 2,5 vezes menos mortes por
doenças coronarianas que os americanos, apesar de fumarem muito e
consumirem a mesma quantidade de gorduras. A principal explicação para
tal paradoxo estaria no consumo regular e moderado de vinho. Como era de
se esperar, após a transmissão do programa, o consumo de vinho tinto
nos EUA multiplicou por 4. Tal paradoxo foi, posteriormente, publicado
na revista inglesa The Lancet, uma das mais conceituadas
revistas médicas do mundo, dando origem a uma enxurrada de artigos sobre
os benefícios do vinho sobre a saúde nos tempos modernos.
Álcool, taninos, flavonóides, catecinas, resveratrol, etc
Há muito sabe-se que o álcool, consumido em pequenas doses regulares,
traz benefícios para a saúde. Estudos epidemiológicos mostram que o
álcool presente no vinho, cerveja e destilados pode diminuir
amortalidade por infarto do miocárdio, isquemia cerebral etc.
Entretanto, o vinho é quem mais desperta interesse dos cientistas por
apresentar, além do álcool, diversas substâncias antioxidantes em sua
composição. Entre os mais de 1000 compostos encontrados no vinho, os
polifenóis (flavonóides, taninos, catecinas, resveratrol etc) são os
mais estudados.
Os polifenóis, derivados de várias plantas, são os antioxidantes mais
encontrados em nossa dieta. De acordo com sua origem, apresentam
diferentes estruturas químicas. Atualmente, vários estudos têm
demonstrado que o resveratrol, um antioxidante natural presente em
vinhos tintos e brancos, está associado com os efeitos benéficos do
vinho na doença coronária. Além disso, em laboratório, o resveratrol tem
mostrado efeito protetor contra o câncer, embora estes resultados ainda
não tenham sido demonstrados na prática clínica. Também controversa é a
hipótese de que os flavonóides parecem mostrar um efeito protetor
contra doenças cardiovasculares, atuando sobre o LDL (colesterol ruim).
Vinho e Saúde: Alguns fatos
Doenças coronárias: o consumo moderado de vinho
controla os níveis sangüíneos de algumas substâncias químicas
inflamatórias chamadas citocinas. Estas, por sua vez, afetam
o colesterol e as proteínas da coagulação. O vinho é capaz de reduzir os
níveis de LDL e aumentar os de HDL (colesterol bom). Com relação à
coagulação, o vinho torna as plaquetas presentes no sangue menos
aderentes e reduz os níveis de fibrina, evitando que o sangue coagule em
locais errados. Estes efeitos poderiam prevenir o entupimento de uma
coronária, evitando um infarto do miocárdio.
Doenças do cérebro: Os efeitos mais conhecidos do
álcool sobre o sistema nervoso são a embriaguez e a dependência
alcoólica. Entretanto, quando consumido com parcimônia, o vinho parece
reduzir o risco dedemência, incluindo o Mal de Alzheimer. Segundo alguns
especialistas, os polifenóis presentes no vinho (principalmente nos
tintos) seriam os responsáveis por evitar o envelhecimento das células
cerebrais. É intrigante notar que, proporcionalmente falando, a ação
antioxidante dos polifenóis dos vinhos brancos é superior à dos tintos.
Entretanto, a quantidade de polifenóis dos tintos é muito superior à dos
brancos, tornando estes vinhos mais interessantes para as células
cerebrais. Além da ação antioxidante, os vinhos melhoram
a circulação cerebral, com o fazem com a circulação coronária. Sabe-se,
ainda, que as chances de apresentar depressão são menores em
consumidores moderados de vinho.
Doenças respiratórias: Experimentos recentes têm
demonstrado que o vinho é capaz de reduzir as chances de uma infeção
pulmonar, sendo mais eficaz que alguns antibióticos modernos.
Doenças do aparelho digestivo: Há vários séculos,
São Paulo já recomendava "um pouco de vinho para asaúde do estômago".
Hoje, sabe-se que o consumo moderado de vinho está associado a uma
menorincidência de úlcera péptica por uma série de razões: alívio do
estresse, inibição da histamina, ação antimicrobiana contra o Helicobacter pylori, bactéria implicada
na gênese da úlcera duodenal. Por atuar sobre ocolesterol, o vinho
parece reduzir as chances de formação de cálculos no interior
da vesícula biliar.
Doenças do aparelho urinário: Estudos mostram que o vinho é capaz de reduzir em até 60% o risco de formação de cálculos urinários, ao estimular a diurese.
Diabetes: o vinho consumido de forma moderada
melhora a sensibilidade das células periféricas à insulina, sendo
interessante nos pacientes com diabetes tipo 2 (não
insulino-dependente). Além disto, o vinho reduz as chances de morte
por infarto do miocárdio em pacientes com diabetes tipo 2. Em mulheres,
um estudo mostra que o vinho pode reduzir as chances de surgimento
de diabetes.
Sangue e anemia: O álcool ajuda o organismo a
absorver melhor o ferro ingerido nos alimentos. Além disto, um copo de
vinho tinto contém, em média, 0,5mg de ferro.
Ossos: alguns estudos populacionais têm demonstrado
que o consumo de pequenas quantidades de vinho é capaz de melhorar a
densidade óssea, reduzindo as chances de osteoporose.
Visão: O vinho reduz a degeneração macular, causa comum de cegueira em idosos.
Câncer: A possibilidade de que os antioxidantes
presentes no vinho pudessem prevenir alguns tipos decâncer despertou o
interesse de muitos pesquisadores em todo o mundo. Alguns estudos
populacionais mostram uma redução da mortalidade por doença coronária e
por câncer em bebedores comedidos de vinho. Por exemplo, homens que
consomem vinho sensata e regularmente têm menor chance de
desenvolverLinfoma não-Hodgkin.
Como foi dito repetidas vezes, o consumo moderado parece ser o
caminho para a felicidade. Muito ainda precisa ser entendido sobre os
reais efeitos, benéficos e maléficos, do vinho sobre a saúde antes de
torná-lo a panacéia universal para as moléstias do mundo moderno.
Entretanto, em pouquíssimas situações, um remédio pôde ser tão
infinitamente agradável e prazeroso.
Fonte: Dr. Gustavo Andrade de Paula (médico e diretor de
Degustação da ABS-SP/Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo)
Via: News.med.br Noticias e informações sobre saúde.